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Onde estava Deus em Auschwitz e em 7 de Outubro? - Reflexão após encontro com o Rabino chefe da Holanda

Uma reflexão profunda sobre onde estava Deus durante Auschwitz e o massacre de 7 de Outubro, inspirada num encontro com o Rabino‑Chefe da Holanda, Rabbi Binyomin Jacobs. Um texto honesto sobre fé, silêncio divino e a coragem de permanecer mesmo sem respostas.

Lior Sérgio

7/21/20254 min read

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Onde estava Deus em Auschwitz… e a 7 de Outubro? Reflexão de quem foi procurar a resposta

Há perguntas para as quais nunca encontraremos respostas simples. Ou talvez… nunca devêssemos encontrar. Perguntas que rasgam a alma, que nos desinstalam, que nos confrontam. Perguntas que só existem porque ainda há dentro de nós uma centelha de fé e esperança que se recusa a morrer.

Esta é uma delas:

Onde estava Deus em Auschwitz? E onde estava Deus a 7 de Outubro?

Não escrevo estas linhas como um teólogo cheio de respostas. Escrevo como um homem comum. Um homem que já viveu o suficiente para saber que a dor não se resolve com frases feitas, nem com discursos bem elaborados. Um homem que foi buscar respostas… e voltou com ainda mais perguntas.

O dia em que o Rabino Binyomin Jacobs me colocou diante do abismo

Fui à Bélgica para encontrar-me com o Rav Binyomin Jacobs, o Grande Rabino da Holanda um homem conhecido pela sua profundidade, pela sua honestidade crua e pela sua capacidade de olhar uma alma nos olhos sem desviar o olhar.

Durante a conversa, ele olhou para mim, para a minha esposa e perguntou:

“Onde estava Deus em Auschwitz?”

E antes que eu pudesse pensar, atirou outra:

“Onde estava Deus no 7 de Outubro?”

Não era uma provocação. Era um convite brutal à honestidade. E eu… não soube o que responder.

Foi nesse momento que percebi que talvez ninguém saiba. Que talvez nem os mais sábios rabinos, nem os sobreviventes, nem os estudiosos, nem os crentes mais fervorosos tenham uma resposta definitiva. E que talvez… a própria ausência de resposta seja a única resposta verdadeira.

O que eu respondi ou tentei responder

Eu disse o que me saiu da alma:

“Há coisas que nós não sabemos. E talvez nunca venhamos a saber.”

Foi a única coisa que consegui dizer sem trair a verdade do meu coração.

E naquele instante, percebi que a verdadeira coragem não está em ter respostas prontas, mas em permanecer firme diante das perguntas que parecem não ter solução.

E mesmo depois de deixar a sala, aquelas perguntas continuaram a ecoar dentro de mim. Não como acusações, mas como um chamado. Como um apelo para não desistir de procurar, para não abandonar a fé só porque não compreendo todos os mistérios.

O que a tradição judaica sempre ensinou sobre o silêncio de Deus

O Talmud não foge destas questões. Muito pelo contrário.

O Rav Yochanan disse:

“Desde a destruição do Templo, a Presença Divina nunca se afastou do Muro Ocidental.”

Ou seja, mesmo quando parece que Deus Se retirou, Ele continua ali. Oculto. Silencioso. Mas presente.

Na mística judaica, a Kabbalah fala de um conceito chamado Hester Panim o ocultamento da face de Deus. Deus não Se afasta, mas às vezes escolhe ocultar-Se, para que o homem tenha espaço para agir com livre-arbítrio, para crescer, para decidir.

O Zohar acrescenta:

“O lugar onde Deus está mais oculto… é onde Ele está mais próximo.”

São palavras que não explicam o sofrimento, mas que nos impedem de cair na ilusão de que o sofrimento significa ausência total.

O que a tradição judaica nos ensina, desde os tempos antigos, é que Deus não é um escudo que impede todo o mal. Ele é a força que nos permite continuar mesmo quando tudo parece perdido. O povo judeu nunca viveu à sombra de promessas fáceis. Viveu, sim, da certeza de que a Sua Aliança permanece, mesmo na dor.

Auschwitz, 7 de Outubro… e a coragem de não fugir das perguntas

O Holocausto não se explica. O massacre de 7 de Outubro quando terroristas do Hamas assassinaram civis israelitas de forma bárbara não se justifica. Não há teologia, filosofia ou política que possam limpar essas manchas da história.

Mas talvez… talvez a resposta não esteja no “porquê”, mas no “para quê”.

Para quê continuar a ter fé depois disso? Para quê educar os nossos filhos na tradição judaica depois disso? Para quê continuar a falar de Deus quando o mundo parece desabar?

Talvez porque, se desistirmos, o mal vence duas vezes.

Talvez porque, se continuarmos a acreditar, a educar, a viver… mesmo em silêncio, mesmo sem respostas… então a luz não se apaga.

Talvez porque essa seja a verdadeira resposta do povo judeu ao mal: continuar.

E há ainda uma razão mais profunda. Porque, se olharmos para trás, veremos que a história do povo judeu sempre foi marcada por perguntas sem resposta. Perguntas que rasgam o coração, mas que nunca nos fizeram desistir. E talvez seja justamente essa teimosia espiritual que mantém viva a chama do judaísmo.

A minha história… é a história de todos nós

Voltei da Bélgica sem uma resposta clara. Mas voltei com a certeza de que as perguntas certas valem mais do que as respostas erradas.

Voltei com a convicção de que o maior ato de fé não é ter todas as respostas, mas permanecer firme mesmo sem elas.

Permanecem aqueles que perguntam.
Permanecem aqueles que buscam.
Permanecem aqueles que não fogem.

A jornada do povo judeu é marcada por esta força silenciosa. Por esta fé que não depende de milagres visíveis. Por esta certeza que resiste às dúvidas mais cortantes. Auschwitz não matou essa fé. O terrorismo não matou essa esperança. Porque a fé verdadeira não se sustenta na ausência de dor sustenta-se na capacidade de atravessar a dor sem perder a alma.

O que o judaísmo me ensinou e que quero partilhar contigo

Talvez Deus estivesse em Auschwitz… nos que morreram a dizer “Shemá Israel.”

Talvez Deus estivesse no 7 de Outubro… em cada mão que protegeu uma criança ou em cada alma que não deixou o ódio tomar conta do seu coração.

Talvez Deus esteja hoje… em cada um de nós que decide não desistir da fé, da vida, do bem.

A verdadeira pergunta não é onde estava Deus.
É onde estamos nós, agora.

Se este texto falou ao teu coração, guarda-o. Ou partilha com alguém que precise de força. Porque há perguntas que nunca terão resposta. Mas há respostas que só podem ser dadas… pelo modo como escolhemos continuar a viver depois de as ouvir.

E essa… talvez seja a única resposta verdadeira.