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O Mal, Deus e o Controle: Entre a Coerência e a Criação

Descobre a visão judaica sobre o mal, o Satã e o sofrimento. Uma análise clara comparando Judaísmo, Cristianismo, Islão e religiões orientais.

Lior Sérgio

4/24/20253 min read

O Mal, D'us e o Controle: Entre a Coerência e a Criação

Se existe um único D'us, todo-poderoso, todo-sabedor e presente em tudo, por que o mal existe?
Por que há sofrimento, injustiça, destruição e, talvez ainda mais inquietante por que existe uma narrativa onde D'us “permite” que o mal governe, enquanto observa à distância?

Este dilema atravessa gerações. Mas para quem, como eu, mergulhou no Judaísmo após ter conhecido a teologia cristã, a diferença entre as abordagens não é apenas teológica é lógica, espiritual e profundamente moral.

O mal no Cristianismo: o inimigo externo

Na teologia cristã tradicional, o mal é frequentemente atribuído a um ser independente Satanás apresentado como um anjo caído que se rebelou contra D'us e continua a combater as almas humanas. Deus, sendo justo e amoroso, teria permitido essa rebelião em nome do livre-arbítrio.
O perdão, nessa narrativa, só seria possível através de um sacrifício a morte de Jesus, apresentado como o “cordeiro inocente”.

Mas este modelo, à luz da razão, levanta contradições inevitáveis:

  • Se D'us é omnisciente, sabia que o mal surgiria.

  • Se é omnipotente, poderia tê-lo impedido.

  • Se é fonte de amor e justiça, por que permitir um sistema onde o perdão exige sangue?

Mesmo com a ideia de liberdade, permanece uma sensação desconfortável: um Deus que cria o mal, permite a queda, e depois “resolve” com uma morte — criando um ciclo onde o sofrimento parece parte essencial da salvação.

O mal no Judaísmo: parte da criação, não oposição

A tradição judaica oferece uma visão totalmente diferente.

1. Não há dois poderes

No Judaísmo, não existe dualidade.
Satanás não é rival de Deus. Ele é uma figura funcional, criada pelo próprio Criador, com o papel de testar e confrontar tal como descrito no livro de Iyov (Jó).

Como diz o profeta Isaías (45:7):
“Eu formo a luz e crio as trevas; Eu faço a paz e crio o mal; Eu, Hashem, faço todas estas coisas.”

2. O mal como parte do plano

No Talmud e em obras clássicas como o Sefer HaBahir e o Zohar, o mal não aparece como falha mas como resistência pedagógica.
É através do confronto com a escuridão que a alma pode revelar o seu mérito.

3. Não há necessidade de sacrifício humano para perdão

A tradição judaica rejeita qualquer ideia de redenção através de sangue humano.
O perdão vem pela teshuvá arrependimento sincero, mudança de comportamento e reconexão com Hashem.

Como diz o profeta Oseias (14:3):
“Tomai convosco palavras, e voltai para o Eterno…”

O foco está na retificação interior, não na punição externa.

Outras visões religiosas

No Islão, D'us é soberano absoluto, e tudo o que acontece, incluindo o mal, é parte do Seu decreto (“qadar”). A responsabilidade humana existe, mas submete-se totalmente à vontade divina o que pode gerar uma fé intensa, mas pouco espaço para questionamento profundo.

Já nas tradições orientais, como o budismo e o hinduísmo, o mal é visto como ilusão (maya) ou desequilíbrio natural. O objetivo espiritual não é confrontar o mal, mas superar a ignorância e elevar a consciência.

Conclusão

Para quem, como eu, cresceu entre doutrinas mas nunca deixou de pensar, o Judaísmo trouxe a liberdade que buscava:
Um D'us que não delega o mal, mas o incorpora no plano com propósito.
Um D'us que não precisa de violência para perdoar.
E um sistema onde a alma não é condenada por existir, mas desafiada a crescer.

O mal existe mas não governa.
E Hashem, mesmo permitindo a dor, nunca perdeu o controle.

A verdadeira fé talvez comece quando deixamos de defender D'us…
E começamos a confiar na Sua coerência.