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O Ego Espiritual: O Obstáculo Invisível Entre o Homem e a Verdade

Uma reflexão sobre fé, ego e liberdade espiritual. Por que o apego à “verdade absoluta” pode afastar o ser humano da verdadeira busca por Deus.

Lior Sérgio

5/9/20253 min read

A person reaches towards the camera in darkness.
A person reaches towards the camera in darkness.

O Ego Espiritual: O Obstáculo Invisível Entre o Homem e a Verdade

A religião é, talvez, a manifestação mais íntima da relação entre o homem e o infinito. Quando alguém fala de fé, fala da sua alma. Quando alguém toca em D'us, toca no seu coração. E é por isso que, muitas vezes, a fé pode tornar-se refém do ego e não libertação do espírito.

Não importa a religião. O mecanismo é quase universal.
O ser humano, quando sente que descobriu algo sobre D'us, agarrar-se-á a isso com força absoluta.
Não por arrogância. Mas por necessidade.
Por segurança.
Por medo de perder o chão debaixo dos pés.

E é aí que começa o problema.

A armadilha da verdade absoluta

Quando um crente sente que alcançou “a verdade”, o impulso natural é defender essa verdade como se fosse a única possível.
Não porque é má pessoa, mas porque o seu ego aquele mesmo que deveria ser lapidado pela espiritualidade entra em modo de proteção.

Como ensina o Rav Dessler, no seu clássico Michtav MeEliyahu:
“O ego luta não apenas pela sobrevivência física, mas pela sobrevivência espiritual da imagem que construímos de nós mesmos.”

Assim, sem se dar conta, o homem religioso deixa de procurar e começa a proteger.
Deixa de ouvir e começa a defender.
Deixa de perguntar e começa a repetir.

Um problema comum em todas as tradições

Este não é um fenómeno exclusivo de uma fé ou povo.
Um cristão que se converte ao adventismo, por exemplo, raramente abandona o nome de Jesus.
O nome está tão entranhado na alma, que abandoná-lo seria quase como perder uma parte do corpo.

Um muçulmano fiel a Alá poderá sentir-se agredido diante de uma proposta espiritual diferente.
E até entre os judeus onde a busca e o debate são valorizados o risco de se prender à “minha escola”, “meu rabino”, “meu livro” é real.

A espiritualidade, ao invés de ser um campo aberto à escuta, torna-se trincheira.

A honestidade de dizer: “eu não sei”

No Talmud (Berachot 4a), encontramos uma frase desconcertante:

“Mais vale uma prece vinda do coração partido do que mil palavras certas ditas sem alma.”

Essa é, talvez, a chave para lidar com o ego espiritual:
aceitar que não sabemos tudo.
E que talvez nunca saberemos.
Mas que perguntar com verdade é mais elevado do que repetir com orgulho.

O Judaísmo como espaço de perguntas e não de conquistas

Uma das grandes belezas do Judaísmo é esta:
não há obrigação de convencer ninguém.
Um rabino sério, diante de um cristão que deseja respostas, normalmente responderá:

“Vai perguntar ao teu padre.”

Não por arrogância. Mas por humildade.
Porque a missão do povo judeu não é converter o mundo, mas ser uma luz uma referência para quem deseja caminhar com sentido.

Como ensina o Rambam (Maimónides), no Moreh Nevuchim:
“A verdade não teme a investigação. A fé que se desfaz diante da dúvida nunca foi fé, mas apego.”

O ego como obstáculo e como proteção

É importante dizer: o ego não é o inimigo.
É parte da estrutura humana. Ele protege-nos da humilhação, do colapso emocional, da insegurança.
Mas se não for equilibrado torna-se tirano.

Um ego não tratado torna-se um sistema de defesa contra tudo o que desafia o nosso conforto.
Por isso é tão difícil mudar de crença, abandonar uma figura religiosa, ou mesmo aceitar que o outro pode ter uma centelha de razão.

A coragem de começar por dentro

Buscar a verdade, hoje, exige mais do que fé: exige coragem emocional.

Coragem para perguntar, para enfrentar incoerências, para admitir que muito do que nos ensinaram não resiste à lógica nem à alma.

“Conhece-te a ti mesmo”, dizia a inscrição do Templo de Delfos.
Mas o Judaísmo vai além: “Conhece o teu Criador começando pela tua honestidade.”

E é isso que proponho.
Uma fé sem ego.
Uma busca sem trincheira.
Uma espiritualidade que começa não com grito, mas com silêncio.