“Israel, porquê nos odeiam?” - Um mergulho na dor e na sabedoria judaica
Por que o povo judeu é odiado há milénios? Um olhar profundo sobre as raízes espirituais e históricas do antissemitismo, da Torá à Shoah.
Lior Sérgio
6/1/20253 min read
“Israel, porquê nos odeiam?” - Um mergulho na dor e na sabedoria judaica
Escrito de alma aberta, com olhos no céu e os pés na cinza dos séculos
“Em cada geração, levantam-se contra nós para nos destruir e o Santo, bendito seja, salva-nos das suas mãos.”
(Haggadá de Pessach)
Ser judeu é carregar o fogo e a cinza.
É procurar sentido em meio ao absurdo.
É viver entre o Sinai e Auschwitz entre o sopro da revelação e o silêncio do extermínio.
E, geração após geração, a pergunta persiste:
Israel, porquê nos odeiam?
O início do ódio: Faraó, Babilónia, Roma
O livro de Êxodo (Shemot) mostra o início: um Faraó vê no crescimento de Israel uma ameaça.
“O povo dos filhos de Israel é mais numeroso e mais forte do que nós. Vinde, sejamos astutos com ele...”
(Êxodo 1:9)
Não foi o mal que Israel fez, mas o bem que representava, que despertou o medo.
Depois viria o exílio na Babilónia, a destruição do Templo, o Império Romano, os decretos, os massacres.
O povo judeu passou a ser “o estranho eterno”.
O Talmud e a consciência do ódio sem lógica
O Talmud reconhece a irracionalidade do antissemitismo:
“É uma lei: Esaú odeia Jacó.”
(Sotá 13a)
Essa frase simboliza que há um ódio ancestral, muitas vezes irracional, que acompanha Israel — não por ações, mas por identidade.
E o Midrash pergunta:
“Por que o Monte Sinai foi chamado assim? Porque nele desceu o ‘siná’ (ódio) ao mundo.”
(Shabat 89a)
Foi no momento em que Israel recebeu a Torá fonte de ética e verdade que o mundo começou a odiá-lo.
Não por fazer o mal. Mas por lembrar que existe o bem.
Shoah: quando o inferno teve método
O Holocausto não foi apenas um massacre.
Foi uma engenharia de extermínio, uma fábrica da morte, uma tentativa de apagar não apenas corpos, mas memória, identidade e alma.
Seis milhões.
Seis. Milhões.
Avós, bebés, rabinos, músicos, poetas, estudantes, mulheres grávidas.
Morreram não porque fizeram algo mas porque eram judeus.
“Morríamos como judeus… porque vivíamos como judeus.”
A Shoah foi a resposta mais brutal à pergunta “Porquê nos odeiam?”.
E ao mesmo tempo, foi a prova de que, mesmo na morte, o povo judeu não desaparece.
Como escreveu Elie Wiesel:
“A única resposta autêntica ao Holocausto é lembrar. Com lágrimas, com fé… ou com silêncio.”
O silêncio de Auschwitz é um grito que o mundo ainda não soube escutar.
E é por isso que Israel como povo e como Estado não pode esquecer.
Hoje: o velho ódio com nova cara
Hoje o antissemitismo disfarça-se de antissionismo.
Israel é demonizado. Os judeus, atacados em Paris, Londres, Nova Iorque por existirem.
Claro que se pode criticar políticas. Israel não é perfeito. Nenhum país o é.
Mas o que se vê não é crítica. É negação do direito à existência.
É o mesmo velho ódio agora com hashtags, cartazes e palavras de ordem.
Porquê? A resposta espiritual
O judaísmo oferece várias respostas:
1. Porque Israel não se dobra
O judeu sobreviveu a tudo. Não porque seja mais forte, mas porque se recusa a desaparecer.
E o mundo odeia quem resiste à assimilação.
2. Porque Israel é espelho
A presença judaica, com os seus textos, a ética, a kashrut, o Shabat, incomoda.
“Não porque acusamos… mas porque existimos.”
Um espelho moral é insuportável para quem quer fugir de si.
3. Porque carrega uma missão
Ser “luz para as nações” nunca foi fácil.
A luz incomoda os olhos que viveram muito tempo nas trevas.
Israel não responde com ódio
A resposta judaica nunca foi vingar.
Foi reconstruir.
Depois de Auschwitz, nasceram universidades, yeshivot, hospitais, kibbutzim.
Nasceram crianças que ainda dizem “Shema Israel” antes de dormir.
Rav Kook escreveu:
“A alma de Israel é uma chama que nem o vento do exílio conseguiu apagar.”
Epílogo: a pergunta que arde
“Israel, porquê nos odeiam?”
Talvez a pergunta certa seja:
“O que representa Israel que o mundo ainda não está pronto para aceitar?”
Israel representa memória. Verdade. Aliança. Esperança.
E por isso o ódio não vai cessar tão cedo.
Mas a luz também não.
E enquanto houver uma vela acesa em Shabat,
Enquanto um avô contar a um neto o que foi Auschwitz,
Enquanto uma criança responder “Hineni” “aqui estou” perante o chamado da vida…
Israel vive.
E a esperança também.