
Os Cripto-Judeus de Portugal: A Verdade Escondida nas Montanhas
Descubra a história real dos cripto-judeus de Portugal, de Belmonte a Carção. Uma herança viva que resistiu ao silêncio e à perseguição.
Lior Sérgio
7/22/20254 min read
Os Cripto-Judeus de Portugal: Entre o Silêncio e a Identidade Perdida
O que são os cripto-judeus (ou marranos)?
Os cripto-judeus também conhecidos como marranos, um termo historicamente pejorativo foram judeus que, forçados a converter-se ao cristianismo durante a Inquisição, continuaram a praticar secretamente o judaísmo. Em Portugal, essa conversão forçada em massa teve início no século XVI, e as perseguições da Inquisição prolongaram-se por mais de 300 anos. Durante esse tempo, inúmeras famílias mantiveram, em segredo, práticas judaicas como acender velas às sextas-feiras, evitar carne de porco ou praticar jejuns diferentes dos católicos.
Hoje, muitos destes descendentes vivem sem saber que têm origem judaica, enquanto outros mantêm alguma memória, hábitos, nomes ou até traços familiares herdados dessa tradição oculta.
Portugal ou Brasil: onde estão os verdadeiros descendentes?
Muito se fala sobre os descendentes de judeus sefarditas no Brasil, sobretudo no Nordeste. De fato, muitos cripto-judeus emigraram para o Brasil nos séculos XVI e XVII. No entanto, embora o fenómeno brasileiro seja significativo, a verdade é que em Portugal ainda se encontram, com mais facilidade, descendentes diretos e próximos desses judeus perseguidos.
Isto deve-se, principalmente, ao facto de Portugal ter uma população menor, especialmente nas regiões montanhosas e isoladas onde os judeus se refugiaram. Ali, casaram entre si até meados do século XX, mantendo tradições e memórias. Um dos exemplos mais conhecidos é Belmonte, onde os casamentos endogâmicos entre famílias cripto-judaicas mantiveram viva a herança até os dias de hoje.
O caso de Belmonte: o renascimento de uma comunidade
A comunidade judaica de Belmonte foi redescoberta no início do século XX por Samuel Schwarz, um engenheiro judeu polaco que trabalhava em Portugal. Em 1917, Schwarz ouviu rumores sobre uma vila onde certos costumes judaicos ainda eram preservados. Após aprofundar a sua investigação, percebeu que a comunidade local praticava rituais judaicos em segredo há séculos sem Torá, sem hebraico, mas com um legado oral poderoso, passado de geração em geração, sobretudo pelas mulheres.
Através dos esforços de Schwarz, de rabinos e entidades internacionais, essa comunidade foi integrada ao judaísmo mundial. Hoje, Belmonte tem uma sinagoga ativa, um museu judaico e representa um dos únicos casos no mundo de prática judaica ininterrupta, mesmo sob perseguição.
Carção e o silêncio das montanhas de Bragança
Outro ponto fascinante e menos conhecido é a região de Carção, no distrito de Bragança. Ali, segundo o professor Paulo Lopes, ainda vivem famílias com consciência clara de sua origem judaica. Até os anos 1930-40, os casamentos entre primos e membros da mesma aldeia reforçaram a preservação genética e cultural dessa herança. Infelizmente, a antiga sinagoga de Carção foi destruída, sem qualquer preservação por parte das autoridades portuguesas, mas ainda se pode visitar um pequeno museu local com uma grande menorá.
Nas aldeias vizinhas e zonas como Vimioso, Miranda do Douro, Vilarinho dos Galegos e outras, o silêncio permanece como herança da perseguição: muitos moradores não querem falar sobre sua origem. Há medo, trauma e uma desconfiança enraizada que ainda persiste, mesmo 200 anos após o fim oficial da Inquisição.
Outros focos de memória judaica em Portugal
Além de Belmonte e Carção, há diversas regiões portuguesas com vestígios de presença judaica viva ou memória:
Trancoso
Viseu
Guarda
Tomar
Lisboa (famílias retornadas)
Amarante
Covilhã
Coimbra
Em muitas dessas localidades, especialmente em aldeias remotas, ainda existem pessoas com sobrenomes, tradições ou consciência da sua herança sefardita, mesmo que optem por continuar na fé cristã ou não se identifiquem como judeus.
DNA e a linhagem materna judaica
Estudos científicos têm confirmado o que a tradição já suspeitava. A doutora Inês Pires Nogueiro, entre outros investigadores, conduziu estudos genéticos em Belmonte e na região de Bragança, descobrindo que muitas dessas mulheres descendem da mesma linha mitocondrial de mães judias sefarditas e até mesmo de algumas mulheres asquenazitas. Essa linhagem materna, segundo a halakhá (lei judaica), é o que determina a identidade judaica.
O fenómeno brasileiro e os seus limites
No Brasil, sobretudo no Nordeste, há um movimento crescente de pessoas que dizem descender de judeus sefarditas. Embora algumas tenham, de fato, raízes prováveis, a maioria das linhagens são muito mais distantes. Um antepassado do século XVII, por si só, não define identidade judaica segundo a halakhá.
Houve também um certo folclore e até oportunismo, com líderes comunitários pouco sérios e tentativas de criar comunidades judaicas artificiais. Isso não quer dizer que não haja sinceridade em muitos casos, mas o fenómeno exige ser analisado com critério e responsabilidade, para não banalizar a conversão nem criar falsas expectativas.
A conversão sincera: uma porta de retorno espiritual
O judaísmo não procura converter ninguém. Pelo contrário, a tradição judaica ensina que todo ser humano tem a sua missão no mundo, e os não-judeus são encorajados a seguir as Sete Leis de Noé, um código ético universal.
No entanto, quando alguém procura o judaísmo com total sinceridade, como dizia o Rebe de Lubavitch, é porque sua alma já tinha algo de judaico desde antes da conversão. A tradição vê esses convertidos sinceros como almas judias que, de alguma forma, nasceram fora do povo e agora retornam.
Conclusão: uma herança viva e um caminho possível
Portugal guarda, no seu solo, memórias profundas e feridas silenciosas de séculos de perseguição. Mas também preserva raízes vivas de um judaísmo que nunca desapareceu por completo. Sejam nas montanhas de Trás-os-Montes ou nas ruas de Belmonte, há um eco persistente de quem um dia foi forçado ao silêncio mas que, mesmo assim, resistiu.
Aos brasileiros que descobrem sua origem sefardita, o mais belo gesto é o respeito à memória dos seus antepassados, e se for o caso o retorno sincero à fé judaica, com humildade e verdade.
O passado não pode ser apagado. Mas pode ser reconhecido, estudado e, quem sabe, transformado em futuro.







