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A Verdade Sobre os Sobrenomes Portugueses com Origem Judaica

Descubra como sobrenomes como Cardoso, Nunes e Fernandes podem revelar raízes judaicas entre os Bnei Anussim, descendentes de cristãos-novos em Portugal.

Lior Sérgio

7/24/20255 min read

A Verdade Sobre os "Bnei Anussim" e os Sobrenomes com Possível Origem Judaica

Bnei Anussim (em hebraico: “filhos dos forçados”) é o termo usado para designar os descendentes dos judeus que foram obrigados a se converter ao cristianismo durante a Inquisição Ibérica.

Hoje propomos um artigo profundo, esclarecedor e, acima de tudo, honesto, sobre os chamados Bnei Anussim e os sobrenomes portugueses com suposta origem judaica. O objetivo é desmistificar muitas ideias que têm circulado principalmente no Brasil, onde existe um crescente interesse por descobrir raízes sefarditas. Este artigo também traz a minha própria história pessoal como exemplo, com base em pesquisas, vivências e tradições familiares.

O Fascínio pelos Sobrenomes Judaicos em Portugal e no Brasil

É curioso como muitos brasileiros valorizam e buscam essa herança judaica, enquanto em Portugal, onde está a origem de muitos desses sobrenomes, as pessoas tendem a dar-lhes pouca importância. Costumamos olhar para o jardim do vizinho como mais verde. O mesmo acontece com o judaísmo: quem o tem, muitas vezes, não valoriza; quem não o tem, deseja tê-lo.

Portugal é, sem dúvida, um dos países com maior número de descendentes diretos de cristãos-novos judeus forçados à conversão durante a Inquisição. No entanto, a valorização e a pesquisa dessa herança ainda são escassas.

Bnei Anussim: O Sobrenome Não Basta

Vamos esclarecer: ter um sobrenome associado aos Bnei Anussim não significa absolutamente nada por si só. Quando os judeus portugueses foram obrigados a converter-se ao cristianismo, a maioria escolheu sobrenomes portugueses comuns. Não há como determinar uma origem judaica apenas com base no apelido.

Alguns padrões, no entanto, surgem: por razões espirituais e sociais, muitas famílias escolheram nomes relacionados à natureza (como Pereira ou Oliveira) ou profissões. Essa escolha não foi aleatória; os nomes tinham um significado profundo dentro do pensamento judaico.

Mitos Populares: "Todo Silva é Judeu?"

Esse é um dos maiores mitos. A verdade? Nem 1% dos Silvas têm descendência judaica comprovada. O mesmo vale para outros sobrenomes populares como Pereira ou Nogueira. A razão é simples: esses nomes estavam presentes em toda a população portuguesa, cristã ou judaica.

A Dificuldade de Comprovar a Origem Judaica

A maioria das pessoas que inicia uma pesquisa genealógica esbarra na falta de documentos. A Torre do Tombo, por exemplo, não possui registos de todos os cristãos-novos. Assim, cerca de 95% das pesquisas resultam em impasses. Encontrar um antepassado condenado por judaísmo também não é garantia de que a pessoa era realmente judia muitos eram falsamente acusados por vizinhos, rivais ou por razões sociais.

Onde Está a Maior Concentração de Descendência Judaica em Portugal?

Apesar da dificuldade em provar, em certas zonas de Portugal essa herança é viva até hoje. Regiões como Belmonte, Trás-os-Montes, Bragança, Trancoso, Guarda, Covilhã, Amarante, Mesão Frio e Vila Real conservaram casamentos endogâmicos entre judeus até meados do século XX. Eu mesmo tive a oportunidade de visitar essas regiões, conversar com famílias locais e perceber que a identidade judaica ainda está presente mesmo que vivida em segredo ou diluída na prática cristã.

A Minha História Pessoal

Na minha família, as tradições eram vivas: acender uma candeia na sexta-feira à noite, tapar os espelhos após uma morte, utilizar o nome Adonai em orações, contar histórias da Babilónia para assustar as crianças, molhar uma moeda ou um colar no primeiro banho do bebé. Tínhamos até a tradição de comer ervas amargas na Páscoa. Tudo isso sem sabermos o real significado.

O sobrenome da minha avó era Queiroz um nome raro entre os condenados da Inquisição. No entanto, após muita pesquisa, encontrei um antepassado direto, um Cardoso, e mais tarde uma Fernandes, ambos cristãos-novos nos anos 1600. A minha avó Guimar Cardosa casou-se com João Marinho Queiroz, um homem rico que se tornou padre. Não pôde casar-se oficialmente com ela. A tradição familiar conta que ele deu o nome Queiroz aos filhos para protegê-los da herança judaica. Ela morreu solteira e triste. A sua história marcou profundamente a nossa linhagem.

O Sobrenome "Cardoso": Uma Exceção Significativa

Entre todos os Sobrenome, "Cardoso" parece ter uma ligação mais forte com o passado judaico. A origem vem da planta "cardo" alguém que vivia em regiões com muitos cardos, como Lamego. Registos apontam para Dom Soeiro Cardoso, senhor da Quinta de São Martinho de Mouros, por volta de 1170. Essa quinta era associada a mouros e semitas judeus e árabes. A tradição oral diz que Soeiro Cardoso era judeu, converteu-se para subir na carreira e ajudou outras famílias judaicas a adotarem o nome Cardoso.

Esse sobrenome, por ter prestígio, foi também adotado por cristãos-velhos, sobretudo os que migraram para o Sul, Açores e Madeira. Já os que permaneceram no Norte (Lamego, Amarante, Trancoso, Vila Real) mantiveram mais provavelmente a linhagem judaica.

A Importância de Saber Pesquisar na Torre do Tombo

Para uma pesquisa genealógica eficaz, é necessário entender três pontos fundamentais:

  1. Estatuto social vs. crime: O que importa é o estatuto de "cristão-novo", não apenas a acusação de judaísmo ou islamismo.

  2. Confusão entre crimes: Muitos judeus foram registrados como islâmicos. O crime atribuído não é 100% confiável.

  3. Raridade de nomes: Nomes raros (como Alcântara) são menos encontrados porque havia menos pessoas com esses apelidos, não porque não fossem judeus.

Sobrenome Mais Comuns entre Cristãos-Novos

A partir da minha pesquisa, eis os nomes que aparecem com maior frequência entre os cristãos-novos:

  • Cardoso (principal)

  • Fernandes

  • Nunes

  • Henriques

  • Mourão

  • Jerónimos

  • Lopes

  • Vaz (muito comum e suspeito nas regiões do norte)

  • Diogo

  • Mendes

Sobrenomes como Silva, Pereira ou Nogueira eram comuns demais para ter qualquer valor de identificação.

Atenção aos Nomes no Brasil e a Herança da Escravidão

No Brasil, a mistura foi intensa. Muitos escravos receberam o nome dos senhores portugueses. Assim, nomes judeus ou de cristãos-novos foram herdados por pessoas sem ligação judaica direta. Portanto, a probabilidade de um brasileiro com nome Cardoso ser descendente direto é muito menor do que um português da zona norte com o mesmo nome.

Ser Judeu é Muito Mais do que Ter um Sobrenome

Mesmo que alguém tenha origem judaica, isso não o torna judeu segundo a halachá (lei judaica). O retorno exige conversão formal. O judaísmo é uma vivência ética, uma aliança com Deus baseada em mitzvot (mandamentos). É uma responsabilidade espiritual muito além da mera identificação cultural.

Conclusão

Ter um sobrenome associado a judeus sefarditas é apenas uma pista. Uma pista frágil, com cerca de 1% de valor em muitos casos. Mas se esse nome está presente numa linha genealógica do Norte de Portugal, especialmente de regiões como Lamego, Mesão Frio, Trancoso ou Amarante, essa pista pode tornar-se mais forte.

A verdade é que muitos judeus ainda vivem entre nós às vezes sem saber, outras vezes ignorando por escolha própria. Em regiões como Bragança, Belmonte e Trás-os-Montes, isso ainda é visível. Um dia, espero produzir um documentário para mostrar tudo isso ao mundo. Porque essa história precisa ser contada.

E acima de tudo: ter nome não faz de ninguém judeu. Mas procurar a verdade, com sinceridade, já é um passo que revela uma alma judaica.